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Pérsio Forzani fala de sua sofrida infância e de Pirenópolis, sua inspiração.

Aos 77 anos de idade, na época desta entrevista realizada em 05 de maio de 2012, Pérsio Forzani, natural da cidade de Pirenópolis no estado do Goiás, relembra fatos e histórias marcantes que fizeram de seus quadros pintados reconhecidos e premiados no mundo inteiro.

Pérsio Forzani fala de sua sofrida infância e de Pirenópolis, sua inspiração.

Querido e amado pelo povo de Pirenópolis, o artista plástico ama a sua cidade e suas obras são o reflexo deste amor.

Pérsio nasceu com uma deficiência física no nervo da perna, mas isso não o impediu de ser um dos maiores artistas plásticos do Estado do Goiás. Sempre reverenciando a arquitetura e o folclore da cidade em mais de 2000 mil obras espalhadas pelo mundo. Ilustrou livros de grandes nomes da literatura goiana como; Jarbas Jayme e José Mendonça Teles.

Em entrevista nos conta a história da sua cidade e os causos que marcaram o desenvolvimento do povo pirenopolino. Uma memória viva desse artista que possui uma grande humildade e disposição de vida.

Entrevista realizada por Tulasi Barbosa aos 05 de maio de 2012.

- Bom dia. O senhor poderia nos contar um pouco sobre a sua infância aqui em Pirenópolis?

- Eu nasci com problema na perna. Já nasci com problema no nervo. O nervo não desenvolveu. Eu andava praticamente de gatinho. E na época, Dr. Sinval estava me tratando e Antônio, meu irmão, levava eu lá na casa de Dr. Sinval e João José me segurava, mais Antônio, e davam um choque na minha perna. Era uma bola preta que enchia de água dentro e ligava na tomada. E minha perna não aguentava e vinha ele e Dr. Sinval, mais meu irmão, e me segurava. Ficou muito tempo.

- E para que este choque?

- Ele achou que meu nervo não era curto. Para desenvolver tinha que dar choque no nervo. Não era curto. Era fraco para desenvolver o nervo. Aí depois disso, um tempo, Dario Mendonça que matava vaca, quando matava uma vaca, enfiava minha perna no bucho da vaca. E era muito quente para desenvolver o nervo. Era o sistema da época da medicina. Quando tirava e embrulhava no cobertor e eu ia tomar banho no outro dia de tão quente que era. Aí ficou muito tempo.

- E te ajudou?

- E aí é o seguinte: Dr. Sebastião quando foi olhar minha tia que morava no sítio, irmã de meu pai, ele fez exame nela lá e depois olhou para mim assim e disse: "Vem cá". Deitou eu em cima de uma mesa e me examinou. Me examinou e falou para o meu pai: "Ói, Zé. O choque que Sinval tá tacando nele, mais o bucho de vaca, não vale nada. Porque o nervo dele não é fraco, é curto, não desenvolveu. Eu sei fazer a operação, mas só em São Paulo, que lá tem banco de nervo e aqui não tem". Mas meu pai não deu condição de me levar e assim ficou. Ele mandou comprar uma bola para eu chutar. Mas não dava para chutar direito porque uma perna não espichava. Mas depois, quando cheguei, meu pai conseguiu para eu ir para São Paulo. Eu estava com 19 anos. Aí quando cheguei lá, dei a carta do Dr. Sebastião Curado, que me viu nascer e tudo, e naquela junta médica, o Dr. Godói Moreira de Flávio Costa que era o professor, na época, da Faculdade do Hospital das Clínicas. Eu tive quatro Médicos que eram daqui que eram médicos do Hospital das Clínicas. Dr. Luís Baptista, Dr. Luís Mendonça, eu tive um apoio lá dentro. Aí, eu no meio daquele povão, naquele mezanino em cima, me ponho eu no andar pra lá e pra cá. "Você tem algum parente com defeito físico?". "Ao que eu saiba, não sei". Aí não virou um mês... "O que você veio fazer aqui?". "Eu vim para operar". "Não ué! A carta que seu médico mandou, é o que nós vamos fazer". "Na sua terra lá, nesse sertão lá de Goiás tem médico com competência assim?". Tem. Que ele olha a família dele e olha a cidade que a cidade é pequena e o povo é muito pobre. Você escreve o endereço. Tem o endereço dele aí. Então vamos dar um jeito de operar você.” Aí escreveu. Quando ele leu a resposta. Ficou admirado com a competência dele.

- E nesse tempo todo o senhor ficou em São Paulo esperando?

- É. Eu fiquei seis meses na pensão esperando vaga. O Hospital das Clínicas não me queria. Daí que, um chofer de táxi que trabalhava para o Ademar de Barros, que fez o Hospital das Clínicas e que era médico, disse: "Que você está fazendo aqui, que vai lá e volta já faz tempo?". "Me deu internação, mas não tem vaga". "Você foi no Ademar de Barros?". "Não. Só conheço de nome". "Vou levar você lá por que eu trabalho para ele". Levou. Era um quarteirão dum tamanho de gente pobre tratando, de gente estrangeira para conversar com ele, japonês, americanos pra conversar com ele. Aí a secretária dele disse: “Hoje, ele não pode atender, não. Olha o tanto de gente lá fora esperando ele pra conversar". O motorista disse: “Olha o tanto de gente esperando para falar com o Doutor! Você tem dinheiro para voltar para a Pensão? Eu não posso levar você agora, não". Eu disse que não tinha. “Toma aqui tanto e pega um táxi que amanhã eu pego você de novo lá na pensão meio dia e trago você pra cá". Me deu o dinheiro e meio dia e meio me levou para o Hospital. No dia, a Secretária me disse; “Olha você faz um esforço para conversar com ele, que ele é do interior de Goiás, tá aí a tempo e não tem dinheiro". Aí o Ademar conversou comigo e perguntou: “Você é de onde do Goiás?" Eu disse: "De Pirenópolis!" Ele olhou assim espantado e disse: "De Pirenópolis?" Eu disse: "E o senhor conhece?" Ele disse que não. Ele tinha um amigo advogado, o Ulisses Jayme que era de lá. Parente do meu pai. O pai dele morreu antes de levá-lo de avião. E me disse para esperar um pouco aí. E perguntei onde iriam me levar. Ele me disse que era em Pinheiros na Ala Ortopédico. Me levou. Chegando lá eu disse se era aqui e ele disse que sim. Subiu e em cinco minutos eu estava internado e aí fiquei muito tempo no hospital. Fiquei dois anos e pouco. Mas eu sofri muito.

- Mas o senhor chegou a operar?

- Operei as duas pernas. Enxerto de nervo nas minhas pernas de lá e de cá e do lado esquerdo deu mais forte a paralisia onde não tenho muita agilidade, não. Só o braço direito. Daí que o médico tentou fazer, mas quando me operou teve um problema. É para operar uma perna com noventa dias e depois operar a outra e o médico, Dr. Plínio, que era do Paraná e trabalhava lá, com a junta médica resolveu operar. Ele operou uma, mas entendeu que a próxima operação era para nove dias e não noventa dias. Fiquei em estado de coma. Eu vinha na UTI muito tempo, aí o Leoni Mendonça que é parente do meu pai, doou sangue e eu custei voltar, mas eu voltei. Depois que eu voltei, ele disse: “Ó pessoal, nós tivemos um problema aí”. Mas não disse que errou na operação. Ele não errou na operação, mas errou no dia que era operar a outra. “Você tinha mais quatro operações pra fazer no pé e tal”. “Mas nós não vamos operar você mais não. Você vai ficar bom e tudo. Vai andar". Mas, eu fui operado com 20 anos, quando você passar dos 45 anos em diante você vai perder as forças da perna, ele disse. “Você teria que vir com a idade de 8 anos com crescimento, com crescimento já ia desenvolvendo”. Ele ficou sem pressentimento de errar. Ele não errou. Acertou em cheio. Aí fui caindo e passei para a bengala e tudo. Há dois anos eu caí no banheiro e quebrei o fêmur.

- Agora o senhor fica na cadeira?

- Agora estou fazendo fisioterapia, mas eu não pude operar no dia, porque eu estava com anemia muito forte. Eu fui tratado primeiro de anemia para depois me operarem. Aí me operou. Dentro de oito dias cicatrizou tudo. Eu não sou diabético, mas o Médico esqueceu de mim na cama. Eu fiquei dez meses sentado numa posição só. Deu uma ferida no pé que é virado. Eu calçava a botina reta. Veio a força e feriu. E por ficar na cama muito tempo, meu pé virou. Eu estou tratando dele.

- O senhor passou esses dez meses sem pintar?

- Dez meses sem pintar. Na cama como ia fazer? Só deitado em uma posição só. Como conseguia pintar? Sentia muita dor. Daí eu saí para ir para São Paulo. Na minha juventude eu nunca fiquei paralisado andava de gatinho por toda parte. Tomava banho no rio. E a Rua Direita naquela época era muito movimentada de criança. Nós tínhamos vida. Hoje nós não vemos o jovem ter vida. Não tem vida. Antigamente na Rua Direita era brinquedo de roda, cantando ou brinquedo de peteca, outro de menino de pôde, outro de brincadeira fazia fogueira e assar cará. Era muito movimento e nós não podíamos comprar nada na loja. Nós fazíamos o brinquedo. Fazia aviãozinho de Buriti, fazia de laranja da terra, folha de lobo, o carrinho. Nós tínhamos vida. Criava. Nós, antigamente, tinha uma escola de aviação aqui. De João Pires Querido de São Paulo. Ele que trouxe o primeiro caminhão para buscar mercadoria em Anápolis. Um avião de duas asas, um avião pequeno. E daqui em Anápolis ele gastava três dias para ir e três dias para voltar. Hoje se gasta quarenta minutos. Hoje ele já morreu.

- Ele ia como? De mula?

- Ele ia de caminhão! (risos) Aí tem o seguinte: Eu judiei muito do João Querido. Eu era pequenino e não andava, só de gatinho (risos). A pensão, que hoje é o fórum, chamado Pensão Sebastião Brasil. Minha casa era a debaixo dela.

- Lá funcionou um Clube de Baile? Não Foi?

- Foi. Um dos melhores do Estado naquela época tinha trezentos sócios. Daí, lá ele tinha um caminhão era enchido. João Elói e Zé Grosso ia tudo no caminhão. Aí eu ia de gatinho e esvaziava o pneu do caminhão (risos). Murchava o pneu do caminhão. Aí eu não sabia o que que era. Até encher demorava a sair. Um dia ele descobriu e me trouxe uma bola para eu descobrir quem esvaziava o pneu. Não esvaziou mais (risos). A vida (risos).

Então, antigamente, a Ponte do Carmo só tinha mato, não era a pé como hoje. Tinha muito cipó, nós cortávamos toco de bananeira e fazia barco, descia tudo de cipó imitando Tarzan. Tinha um bom futebol aqui, patins, vôlei. E cinema de primeira, aqui. Vinha de Goiânia o filme. Só filme bão! Bem-Hur, Os Dez Mandamentos, O Declínio do Império Romano, Sangue e Areia. Você nem tinha nascido quando esses filmes surgiram (risos). A Ponte do Rio Kwai. Nós tínhamos muitas coisas boas na cidade de Pirenópolis, uma cidade pequena.

- Como surgiu o cinema na cidade?

- Quem trouxe o cinema e o teatro foi o padre Santiago Uchoa, um espanhol. Naquele tempo o cinema era mudo, aparecia a cena e gente tocando no piano. É bem antigo. Depois teve um ali, Elídio Vespúcio, que é a pensão central, teve o cinema dele também, no mesmo lugar que é a pensão central. Elídio Vespúcio era russo, o pai de Silvino que passava o filme. Depois começou a vir o cinema falado, mas o filme não era a cor não, era preto e branco. Aqui já veio muita gente estrangeira para melhorar aqui, mas os coronéis não aceitavam deixar melhorar, porque atrapalhava o comércio deles.

- O que os Jovens faziam na época?

- Aqui tinha muitas lojas e sapatarias. Tinha a pedreira, alguns trabalhavam em lojas ou na pedreira. Tinha a loja do Luís Augusto que era atacadista. Anápolis era muito longe na época, três dias, e a loja dele tinha dezesseis empregados. Vinham as tropas do norte, traziam rutilo, couro, café, para vender aqui. E tinha muito cigano. A rua Direita era cheia de cavalo, tudo era na rua Direita, na hora do cinema era o passeio para lá e para cá. Se passeava para lá e para cá até a hora de entrar no cinema. Era muito movimentada a cidade.

- Conte-nos um pouco sobre o surgimento de Pirenópolis.

- Começou no tempo de 1727, veio de Portugal o General Antônio Rodrigues Frota, que é hoje o Hotel dos Pireneus. Nós não conhecemos o Castelo do Frota. Conhecemos pela pintura de Willian João Bruxel [[1]], um português que o pintou. Nós achamos que fosse lá perto do morro, e não era, foi perto do rio aqui embaixo onde é a Pousada dos Pireneus. Ele não falava da mulher, só falava das duas filhas que ele tinha. Onde é hoje a igreja do Carmo, antigamente aí teve um problema, o pintor pintou a igreja do Carmo como um chalezinho em 1780, a pintura de Bruxel ele pintou o chalezinho como era e pôs igreja N.S. das Mercês. E isso foi um engano porque lá tem um escrito até hoje lá no Carmo, desde que começou a capelinha era I.N.S. do Carmo.

- Os potes de ouro do Frota? Conte-nos um pouco dessa história.

- O Frota era muito rico, as duas filhas dele jogavam ouro em pó no cabelo para ir rezar na capela. Olhavam pro rio e diziam: "Mais fácil o Rio das Almas correr para cima que o ouro do meu pai acabar!". Aí a língua você conhece, em 1819, o escritor francês August Saint-Hilaire veio conhecer Joaquim Alves. Mas para entrar aqui dentro não podia ir chegando e entrando, tinha que pedir licença na corte do Rio de Janeiro para entrar aqui e conversar com Joaquim Alves. A divisa aqui de Meia Ponte dividia com Minas Gerais. Tinha que pedir licença a Dom Pedro I. E ele conheceu as filhas do Frota, o August Saint-Hilaire, pedindo esmola na rua. Acabou a escravatura, o pai morreu, elas não sabiam fazer nada, os escravos escapuliram todos porque não pagam, era só trabalhando de graça, elas ficaram pedindo esmola na rua, entrando no quintal dos outros, é o que está escrito no livro de Jarbas Jaime, para apanhar borra de café para poder tomar. Ele tinha mais ou menos trezentos escravos e sumiu tudo, acabou. [2]

- E o Comendador Joaquim Alves? Era um grande Coronel?

- Joaquim Alves não é daqui ele é de Pilar de Goiás, de lá ele foi para o Rio de Janeiro para a corte, ele era um rapaz novo e teve um problema com ele lá. Ele teve um romance com uma mulher casada, então deram um título de Comendador e uma quantia para ele vir embora para terra dele. Aí, ele não foi embora para terra dele ficou aqui no arraial de Meia Ponte. Aí, que ele fundou a Fazenda Babilônia, o recreio Pinheiros foi demolido a pouco tempo. A Babilônia continua. [3]

- Ele que fez a casa das trezentos e sessenta e cinco janelas?

- A casa das trezentos e sessenta e cinco janelas é um trem meio custoso. Os outros comentam isso, mas pela pintura do Tonico do Padre ela não tem essa quantidade de janela não. Dizem que na cidade de Goiás tem outro pintor aí que é mais diferente, que pintou uma parede para traz que tem mais coisa. E lá é onde é hoje Kubitschek [4], você acha lá ainda a madeira no chão e o alicerce também. Aquino comprava os trens e desmanchava. Foi ele que comprou. Quase todas as janelas redondas da rua direita foram do palácio de Joaquim Alves.

- As janelas que são redondas em cima?

- São. A casa do Mirko, meu irmão, foi do genro dele. Joaquim Alves teve um certo problema e ele não deixou fotografia. Ele tinha um empregado braço direito dele, o Teixeira, saia daqui e levava aqui na Babilônia, tinha fábrica de porcelana, tinha fábrica de todas as coisas, tinha fábrica de tecido, açúcar... e levava para Cuiabá, gastava seis meses para chegar em Cuiabá e seis meses para voltar. E tinha um outro que levava para o Rio de Janeiro, gastava sete meses para chegar no Rio e sete meses para voltar. Mas em uma dessas viagens a mulher dele não pode viajar porque estava grávida, ele foi e nesse tempo ela deu à luz, tudo certo. Depois a filha começou a trair o marido com um escravo, sua mãe desconfiada saiu para vigiá-los. O escravo estava com uma garrucha, achando que era um outro escravo que os tava vigiando deu um tiro e matou a sogra. Colocaram ele no tronco e avisaram a Joaquim Alves que estava no palácio. E Joaquim Alves disse: "Tragam ele para cá, mas não cheguem com ele aqui". E no meio do caminho eles o eliminaram. Agora no caminho ele tinha uma amante da família Figueiredo. Essa Figueiredo, lá perto tem uma biboca no fundo uma escada. ninguém nunca desceu lá tem um abismo. Quem desceu lá encontraram um crânio mais tarde e achavam que era do escravo que ele tinha mandado matar.

- E essa Fazenda Babilônia, ela foi muito importante para o desenvolvimento de Pirenópolis?

- Tinha muita lavoura, eles produziam de tudo lá. Naquela época o August Saint-Hilaire queria comprar uma máquina agrícola na Inglaterra para produzir mais. Dizia que Joaquim Alves não parecia brasileiro pois gostava de trabalhar. Brasileiro não gosta de trabalhar (risos).

- Os bandeirantes que fundaram Pirenópolis?

- Eles vieram para cá pro garimpo de ouro. Achou aqui e foi descendo para a banda do Pilar foi descendo, descendo pro rumo de Minas.

- Eles acharam ouro aqui?

- Aí é que tá o problema, que hoje onde é o Abade. Eles estavam tirando muito ouro. Onde é hoje o Abade, lá tinha muito ouro, e para eles entrarem lá tinha muita gente que não passava por dentro de Pirenópolis não, passava pra banda de Corumbá. Entrava por lá e não por aqui pra não pagar imposto. E eles tinham o dinheiro deles, chamava Cunha, o dinheiro deles tinha muito valor. Eles tinham comunicação com o Arena que era o dono disso aí, ele era estrangeiro. Eles não pagavam imposto. Sizenando Jaime, pai de Jarbas Jaime, eles todos de capa preta, uma turma entrou lá no Abade quando o Arena foi pro rio, quebrou a máquina, quebrou tudo, para eles não mexer mais com o garimpo, porque sujava a água aqui pro povo beber. Mas não sujava nada não, que a água de lá não vinha pra cá, ela vai pra outro rumo. Teve essa versão. Aqui se fala que eles estavam acabando com os negócios e tirando tudo. Lá no Rio de Janeiro fala que entrou lá foi pra roubar, roubar dinheiro e roubar os trem. [5]

- Mas, foi o povo de Pirenópolis que destruiu tudo?

- Foi. Eu tenho um filme que eles fizeram no Abade com capa preta, aquele fogo na mão. Eu comprei esse filme (risos).

- Hoje em dia, ainda tem ouro em Pirenópolis?

- Não acaba, não. Hoje é proibido tirar.

- Nessa época em que os Bandeirantes chegaram aqui atrás do ouro, vieram só eles ou trouxeram escravos juntos?

- Quando eles chegaram já tinha muito estrangeiro aqui.

- Eles não foram os primeiros a chegar?

- Não, já tinha. Porque no abade eles estavam puxando um canhão que jogaram lá em baixo da cachoeira. Não acharam até hoje. Acharam uma moeda e mandaram para o Rio de Janeiro. Limparam e viram que era uma moeda chinesa com um furo no meio de 1650 anos e aqui foi fundada em 1727. Então já existia gente aqui dentro. Esse furo é um ferro com um número. Quando soltar a moeda na vareta era o valor dela. O dinheiro aqui fazia aqui mesmo. [6]

- E a Igreja Matriz?

- A Igreja mais velha é a Igreja de Nossa Senhora da Lapa.

- Ficava aonde? Não tem mais.

- Onde era o observatório do tempo. Tinha cinco filho, uma filha e quatro homens. Uma filha dele morreu de uma febre. Foi enterrada nessa Igreja. Meu pai de 1866, não conheceu ela. Só conheceu com os paredões caídos.

- Destruíram ou ela caiu sozinha?

- Caiu de velha.

- Ela era particular ou do povo da cidade?

- Do povo da cidade.

- E a Igreja dos Pretos que tinha no Coreto?

- Na igreja dos pretos, a festa deles era muito mais animada do que a festa do branco. Mas ela sempre foi perseguida pelos brancos. Porque a festa deles era controlada pela Guiné de Nassau, na África. Os pretos foram acabando, acabando e eu não vou citar o nome da pessoa que desmanchou a igreja pra não ter problema. Inácio da Silva Lemos, construtor da Igreja de Nossa Senhora da Lapa em 1722, tinha 350 escravos. Em 1727 até 1732 construiu a Igreja Matriz sem a torre. Após de longo tempo construiu a torre em estilo de pirâmides. Ele teve cinco filhos e um voltou para Portugal. Uma das filhas se chamava Petrolina faleceu e foi enterrada na Igreja da lapa. Inácio, chegou no Arraial de Meia Ponte em 1719. Alexandre Lobo Pinto de Sá ampliou a Igreja Matriz construiu a torre e teve treze filhos. E Lemos enterrado na masmorra principal da Matriz.

- O Senhor falou que quem tomava conta da cidade eram os Coronéis?

- Os coronéis. Isso não faz muito tempo, eu já era nascido. Tinha muita loja, não aceitava a cidade ser desenvolvida. Eles tinham o comércio deles, se a cidade crescesse e desenvolvesse eles iam ficar para trás. Eles falavam que você não precisava estudar era só aprender a lição para fazer a conta e já trabalha. Você deixa de estudar pra engenheiro, padre e essas coisas.

- Esses Coronéis faziam bem para a cidade?

- Faziam bem para o bolso deles (risos).

- Os Políticos hoje são diferentes desses Coronéis?

- Os Políticos fazem para os outros, mas roubam demais. Os Coronéis, fazia só para a família deles. Agora eu vejo por que razão o Criador fez a morte. Porque se não fosse a morte não a gente estaria aguentando eles até hoje (risos).

- O Senhor já estava aqui quando os hippies chegaram na cidade?

- Lembro muito bem.

- Foi um choque grande para a cidade?

- Foi um bloquinho de rapaziadinha que não entendia bem, que protestou contra eles, escreveu no muro. Mas aí desceu um avião e desceu uma pessoa, gente poderosa com dinheiro conversou com um Padre e disse que eles vinham para dar trabalho e emprego. Fazer ourives. Uma porção deles de vestido comprido conversou com o Padre. O Padre então começou a dar valor. Depois que viram, aquietaram. Foi o Dudu Careca da prata que trouxe eles.

- De certa maneira esse pessoal antigo que chegou ajudou bastante os jovens da época. Ensinou o ofício da prata e do ouro.

- Aqui não tinha nenhum ourives, ourives que tinha morreu o Silvino André de Siqueira. Morava em frente da casa do Zizito. Os que aprenderam aqui foram para fora. Aqui teve mais de seiscentos ourives. Se tivesse os coronéis nada tinha acontecido. Agradecemos a eles aqui. Não atrapalhou em nada. Só deu o serviço de ourives.

- O pessoal trabalhava muito nas pedreiras. E hoje?

- Olha hoje tem o seguinte. Existe um interesse próprio, um quer tomar uma parte e a pedreira pertence a comunidade pirenopolina. Ninguém é dono de nada. É como esse negócio da cachoeira. O Governo quer tomar.

- Nas suas pinturas o senhor sempre pinta carros de boi. Por quê?

- Nas minhas pinturas eu sempre gosto das coisas antigas, nada atual.

- Qual a história das Cavalhadas?

- É uma guerra entre Mouros e Cristãos. É um problema de dividir de terra.

- A festa hoje, é muito apreciada pelos turistas, mas antes era só os pirenopolinos que participavam?

- Antes, gente de fora vinha. Mas não é tanto como hoje. A maior parte é de pirenopolino. Os mascarados não eram como sai hoje, grã-fino, aquele tanto de coisa. Era sujo, saia gritando, cabaça, pinico velho. Porque os mascarados eram espiões dos mouros, gostavam de escutar conversa para contar para os mouros. O que é a onça? A onça é quando vai começar a batalha, o embaixador do cristão vai na divisa ver se está tudo normal. Quando ele vê uma árvore, uma onça, ele dá um tiro na onça, a onça responde o tiro com outro tiro, aí ele vê que é uma traição contra ele. Aí que começa a batalha, né? No segundo dia, um mouro invade a península do cristão e é preso, convertem ele no cristianismo, o Deus dos mouros é Sultão. Batizam todos no cristianismo. A tiração de argolinha, de cabeça, de revólver, lança, de espada, é uma homenagem que eles fazem em sinal de amizade com os mouros por terem se convertido.

- Os mascarados faziam muita graça na sua época?

- Hoje, o jovem com o negócio de droga não está mais interessado em festa, em nada. A droga vai acabando com tudo. Hoje, o jovem não quer sair na procissão da festa do Divino. Tudo vai acabando. O tempo vai passando.

- Tem uma frase famosa de um filósofo grego que diz: “A arte é longa e a vida é breve. O senhor, com sua arte, já está reescrevendo e eternizando nela.

- Aqui só tinha uma pintora, Natércia Siqueira. Eu vi da calçada, muito cavalo, carro de boi e cigano. Eu ficava na calçada de gatinho, com carvão fazendo a minha pintura. Eu tinha uns quatro anos, mais ou menos. Fazia uns carros de boi muito mal feito. O cinema aqui era muito bom. Zé Siqueira já morreu há muito tempo, irmão de Alaô, escrevia no cartaz do cinema. Ele pegava o meu carvão e pintava um cowboy. O povo ficava me olhando pintar. Essas coisas eram tão boas. Natércia Siqueira não quis me ensinar a pintar. O marido dela é muito meu amigo. Ele viu eu pintar o Zé de Arruda. Meu pai era prefeito e pediu a ele para aprender a pintar e ele disse que eu não ia aprender pois eu era aleijado. Eu nunca me importei com esse negócio. Eu tinha muita amizade com os carpinteiros. A sombra do sol é uma direção só. Eu ficava analisando olhando o céu azul. A cor da luz é diferente. Você vai fazer uma cavalhada tem que analisar o seguinte: tem que saber que mês que é. O começo de mês de maio e junho o céu é azul. Festa da Semana Santa o céu é mais triste, cinza com muitas nuvens. Você tem que obedecer a essas regras do mês.

- O senhor foi aprendendo a pintar assim, olhando a natureza?

- Olhando a natureza. Eu aceitei uma certa crítica construtiva. O carpinteiro fazia o telhado da casa colonial. Ele falava que tinha três tipos: cabo de cangaia, loró e espigão.

- O senhor falou que no começo pintava com carvão?

- Na calçada, sim. Depois eu passei para caderno e lápis. Eu pintei grandes homens: Barão do Rio Branco, Pedro Ludovico, Juscelino Kubitschek. Eu pintei diversos artistas de cinema: Sophia Loren, Brigite Bardô. Tudo com o Romerito. Pintei o filme Corcunda de Notredame.

- Quando o senhor descobriu que óleo e tela tinham mais valor?

- Pérsio: Quando veio as freiras aqui. A Krica, uma velhinha que me pediu para ensinar as freiras a pintar. Fiz uma figura morta. Primeiro quadro que pintei foi uma melancia a óleo. Depois eu comecei a fazer folclore.

- Sempre folclore pirenopolino?

- Só pirenopolino. Tem muita história.

- Conte um pouco de uma história que o senhor se lembra de infância.

- Tinha uma tal de Chica de Tião, era uma ex-escrava de Corumbá, vinha pra cá só pra comer requeijão, que o requeijão daqui era mais gostoso que o de Corumbá, então ela ficava aí e a meninada ficava atrás dela, ela contava estória, ficava andando menino em volta dela e cantando. Um dia, coitada, ela caiu da ponte lá do Carmo e, não sei em que casa foi, o médico tratando dela e cheio de meninada em volta e ela morreu junto da meninada.

- Durante a Segunda Guerra Mundial, o senhor tinha dez anos de idade. Pirenópolis sofreu alguma influência da guerra?

- Não, pouca coisa. Mas a gente não achava na época o sal. Aqui tinha muita lavoura, café, e nós não tínhamos problemas com certas coisas. Sobre a gasolina teve um problema. Tem uma coisa, aqui veio muita gente fugida da segunda guerra, povo da Alemanha, povo da Rússia, o povo da Espanha. Veio muito fugido pra cá.

- Essas famílias viveram e ficaram aqui?

- Muitos foram embora, não construíram famílias aqui. Foram para São Paulo, Minas Gerais e outros lugares. Só um alemão da família Brocks casou aqui e teve família. Os turcos vieram depois.

- E as famílias pirenopolinas tradicionais? Quem são?

- São os Curado, Aquino. O meu pai é descendência Ribeiro Camilo. O Forzani foi ele que arranjou. O meu pai não era filho legítimo. Quando ficou rapaz ele achou que não era registrado. Era filho natural de Manoel Ribeiro Sobrinho, comerciante que foi para São Paulo. O tio dele que era bispo, Dom Abel Ribeiro Camilo. Perguntou a ele se era registrado. Meu pai disse que não. Mas, ele errou. Ele era registrado e não sabia. Ele deixou mil e tantos alqueires de terra em Itapaci. Depois de velho que ele descobriu. E deu para Ulisses Jayme legalizar que deu um tombo no meu pai. Legalizou. Vendeu a terra e ficou com o dinheiro. Ulisses era um advogado, mas era malandro e ladrão.

- A primeira imprensa foi aqui em Pirenópolis?

- Foi. Foi de Joaquim Alves. Hoje, aonde é a casa de Sebastião Brandão. É, a casa onde a Banda Phoenix toca [7] vinha até a casa de Sebastião Brandão na rua Santa Cruz inteira. Quem tinha a imprensa era um padre, Manoel Amâncio da luz que imprimiu o jornal, circulou quatro anos, 1800-1804, no Rio de Janeiro tem todos os jornais que foram imprimidos, e aqui não tem nenhum.

- Por que acabou a imprensa?

- Ele morreu e não deixou descendente. Porque a mulher de Joaquim Alves foi assassinada. A filha dele foi embora. Mas, o filho de Sebastião Josafá nos disse que o Padre Trindade, conversando na paróquia com uma velhinha de cem anos, perguntou a ela: “Você é de Pirenópolis?” Ela disse que sim e que queria conhecer a terra do avô Joaquim Alves. “Lá tinha uma tal de Babilônia e eu queria conhecer”, disse a velha. Naquela época, por ela ser muito velha e sofria de pressão alta não puderam trazê-la até aqui. Ele tinha uma outra filha com outra mulher da família Figueiredo. A Maria de Peni é Alves. Descente de Joaquim Alves.

- A Fazenda Babilônia foi de um padre também?

- Foi da família de Sansa. Padre Simeão Estelita era português e tinha duas mulheres. Antigamente, o registro não tinha cartório, era registro paroquial, todos os registros de terra eram paroquiais, por isso que o padre tinha uma certa família e dava um pedaço de terra pra ela, mas não podia aparecer. Mas tinha uns ricos meio bobos, assim, não sei se é castigo ou o que que era, não podia sair e falar "eu sou mulher do padre", era desse jeito. Mas deixou eles bem de vida. Era tudo paroquial, não tinha esse negócio de cartório não (risos).

- Qual a origem da Festa do Morro, que é a Festa da Santíssima Trindade?

- No tempo dos bandeirantes, lá nos Pireneus, ali é lugar de oração espiritual. Os bandeirantes tinham escrito em baixo de uma pedra para fazer uma cruz em cima do Morro e local que seria feita uma igreja de Cristo. Não interessaram a fazer. Depois fizeram uma capela para o Divino Pai Eterno. Hoje, é um local para oração, oração espiritual, não é para bagunça. A Festa da Capela é muito antiga, de Nossa Senhora Santana. No tempo do meu pai, entre Pirenópolis e Jaraguá tinha uma igreja muito antiga. Vinha gente de fora para casar lá. Vinha até estrangeiro. A Igreja acabou. Você nunca analisou uma coisa, a Igreja Matriz é a principal, quando tinha a igreja Nossa Senhora da Lapa, a frente é virada para a Igreja Matriz; a frente da igreja do Carmo é pra Matriz; a frente da Nossa Senhora do Rosário dos Pretos era pra Matriz; a frente do Nosso Senhor do Bonfim é para Matriz. Tudo homenageando a Igreja da Matriz.

- As suas obras foram mais conhecidas quando o turismo chegou ou antes?

- Quando eu comecei a pintar um quadro, há quarenta anos apareceu um russo e viu o meu quadro. Comprou dois quadros: um da Procissão do Divino e outro da Cavalhada. Mostrou em Brasília, mostrou no Rio de janeiro e em São Paulo. Aí eu comecei a ser conhecido. Depois aqui teve um tal de Edson, morou aqui muito tempo e trabalhava na Rádio, ele era gaúcho. Ajudou-me muito, falava na rádio me pôs na internet. Eu tive muito apoio.

- O senhor sabe quantos quadros pintou?

- Tudo registrado. Eu pintava muito tempo para os livros de Jarbas Jaime com prefácio de Oscar Niemeyer. Entre quadros grandes, médios e pequenos eu vendi 2300 obras. Eu poderia ter feito mais se não fosse a depressão que me atacou depois da morte do meu irmão e minha mãe. Foi difícil sair dessa depressão. Passei uns três anos sem pintar. José Jaime tacou vitamina em mim e depois de seis meses pintando foi que saí da depressão. Pra dormir foi à custa de remédio.


[1] - William John Burchell era britânico e é o autor dos primeiros registros visuais feitos de Meya Ponte. Desenhou a paisagem de Pirenópolis vista por trás da Igreja Matriz, tendo ao fundo o Morro do Frota e aos pés deste morro o Castelo do Frota, o qual o Pérsio se refere.

[2] - A Lenda do frota.

[3] - Biografia de Joaquim Alves de Oliveira.

[4] - Avenida Juscelino Kubitschek, uma das avenidas da cidade de Pirenópolis.

[5] - As Lavras do Abade.

[6] - Aqui, Pérsio confunde a pergunta e responde sobre o tempo do Arena (1880) e não dos bandeirantes (1730).

[7] - Na época da entrevista, 2012, a Banda Phoenix tinha sua sede na Rua da Prata. Hoje, a banda está na Av. Neco Mendonça.

Participaram da elaboração desta matéria: Tulasi Barbosa como entrevistadora; Herick Murad que transcreveu, decupou a entrevista e escreveu a introdução; e Mauro Cruz que revisou e publicou.

Matéria publicada em 21/06/2019 às 15:37:43.

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