Comissão Exploradora do Planalto Central do Brasil
A Comissão Exploradora do Planalto Central do Brasil, chefiada pelo astrônomo Luiz Cruls, conhecida também como Comissão Cruls, esteve aqui em Pirenópolis nos anos de 1892 a 1894 para a demarcação dos limites do Distrito Federal e a determinação do local para a construção de Brasília.
O Movimento Mudancista
A quem é devida a mudança?
A Comissão Exploradora do Planalto Central do Brasil, chefiada pelo astrônomo Luiz Cruls, conhecida também como Comissão Cruls, esteve aqui em Pirenópolis nos anos de 1892 a 1894 para a demarcação dos limites do Distrito Federal e a determinação do local para a construção de Brasília.
Porém, antes de começarmos a contar a história desta famosa comissão, devemos voltar um pouco no tempo para entendermos o que foi que a motivou e quais eram seus reais objetivos.
Tiradentes e os inconfidentes
As primeiras idéias da mudança da capital do Brasil para o interior surgiram entre os inconfidentes mineiros durante o século XVIII. Tiradentes estava entre os maiores promotores desta ação. Influenciados pelos movimentos intelectuais da Europa, que deflagraram a Revolução Francesa e Americana, imbuídas de grande espírito nacionalista, os inconfidentes divulgaram a idéia da mudança da capital do Brasil para São João Del Rey, em Minas Gerais.
Os principais argumentos da proposta eram que a capital do país estando no interior seria fácil assegurá-la de ataques vindo do mar, reforçado com a ameaça do império napoleônico, e a integração do território nacional.
O local e o nome: Brasília
A discussão não morreu por aí. O cartógrafo italiano Francesco Tosi Colombina elaborou em 1749 a Carta de Goiás e Capitanias Próximas, quando sugeriu que a nova capital devesse se localizar na região do planalto Central Brasileiro. José Bonifácio, no entanto, em 1823, sugeriu o nome Brasília mas indicou a cidade de Paracatu, em Minas, para a localização da futura capital. Ainda em 1852, o Senador Holanda Cavalcanti, Visconde de Albuquerque, apresenta
um projeto de lei que autoriza o levantamento de um terreno, nas latitudes entre 10 e 15
graus, para servir de território destinado à localização da futura Capital do Brasil entre
os rios São Francisco, Maranhão e Tocantins. Em 1853, "o senador João Lustosa da Cunha Paranaguá, o segundo
Marquês de Paranaguá, apresenta um projeto legislativo transferindo a capital do Rio de
Janeiro para Monte Alto, no interior da Bahia".
A República e a Constituição de 1891
Por um bom tempo a idéia da mudança arrefeceu-se. Somente com a Proclamação da República e a Constituição de 1891 é que esta volta a tona e conseguem aprovar no artigo 3º a localização e a ordem para demarcar "...uma zona de 14.400 quilômetros quadrados, que será, oportunamente, demarcada, para nela estabelecer-se a futura Capital Federal".
Deste modo, o Presidente Floriano Peixoto determina a formação de uma comissão multi-disciplinar de técnicos de diversas áreas do conhecimento humano, chefiada pelo astrônomo belga Luiz Cruls, para explorar e demarcar os 14.400 km2 do Planalto Central.
A Comissão Cruls
Em 9 de junho de 1892, partiu do Rio de Janeiro a comissão composta por 22 técnicos, entre eles, astrônomos, médicos, farmacêutico, geólogo, botânico, mecânico, auxiliares e militares com destino a Uberaba pela linha férrea da Companhia Mogyana. A partir daí, a comissão viajaria em lombos de cavalos, burros e mulas para o Planalto Central, servindo-se de podômetro, bússula e aneróide para determinação e orientação dos trajetos. Em 29 de junho, a comissão deixa a cidade de Uberaba com destino a Pirenópolis.
Em 11 de julho chegaram as margens do Rio Paranaíba, entrando em território goiano. Aos 14 de julho, chegam em Catalão. Daí rumam para Piracanjuba, chegando somente em 29 de julho e aos 1 de agosto de 1892, chegam em Pirenópolis.
Em Pirenópolis, devido a uma grande discordância entre os geógrafos sobre a altitude exata dos Picos dos Pireneus, a comissão decide verificar sua altura e conta-nos em seu relatório um pouco da história da geografia das grandes altitudes brasileiras: A opinião generalizada na época era que o Pico dos Pireneus estava a cerca de 3.000 metros de altitude. Referência publicada pelo Padre H. R. Des Genettes, erudito e morador de Pirenópolis, que em 1873, descreve este monte estando a 2.932 metros do nível do mar, desbancando, até então, os picos do Itacolomi, Itambé e o Itatiaia. Sendo então considerado o ponto mais alto do Brasil.
Ledo engano. A comissão, já como primeiro importante cálculo para a geografia brasileira, corrige a cota e verifica, através de barômetros e aneróides, a cota de 1.385 metros, ainda usada atualmente.
Os Pireneus de Goiás
Em 7 de agosto de 1892, a comissão inicia a subida da serra em direção aos Picos dos Pireneus. Destaca, em seu relatório, as Minas do Abade, já em ruínas, e afere sua altitude: 998 metros. A partir daí, a subida acindentada os leva a um ponto distante 5 km do pico e cuja visão é de 4 picos, em um terreno que fica quase ao nível da base dos picos. Por essa descrição, podemos crer que a turma subiu pelo vão do Rio das Almas em direção ao antigo curral do Inácio Lobo e nascente do córrego Barriguda, avistando o pico na altura da vila dos becos, próximo ao portal do parque. Pois é o único local que dista de 5 km quando, ao tombar a serra, se avista os 4 picos. Os outros pontos estão mais próximos e o quarto pico não é avistado.
Pernoitaram num acampamento mais próximo do pico, de onde só era possível avistar 3 picos e cuja altitude era de 1.123 metros. Pela descrição e altitude, eles só poderiam ter acampado próximo ao córrego Arruda, pois é a única área abaixo dos 1.200 metros de onde se pode avistar os picos e há água abundante.
No dia seguinte, dia 08 de agosto de 1892, empreeitaram a subida do pico e aferiram por fim sua altitude: 1385 metros. Concluindo, tiraram as seguintes deduções:
Pirenópolis: 740 m
Minas do Abade: 998 m
Acampamento: 1.123 m
Base do Pico: 1.318 m
Pireneus (cume): 1.385 m
No alto do pico eles deixaram encerrado numa caixa de metal um documento com os seguintes dizeres:
"Ascensão ao Pico dos Pyreneus - Alto do pico mais elevado, em 8 de Agosto de 1892 - As 12 horas da manhã do dia 8 de Agosto de 1892, 4º da República dos Estados Unidos do Brazil, chegou-se ao alto deste pico, o mais elevado dentre os dos Pyreneus, a Comissão Exploradora do Planalto Central do Brazil e aqui fez observação para determinar com a maior precisão as coordenadas desta posição.
E, para attestar em qualquer época a sua presença, lavrou este documento que é por todos assignados e que depois de convenientemente lacrado, fica depositado no alto do próprio pico.
Assignaram: - L. Cruls. - Antonio Pimentel. - H. Morize. - Tasso Fragoso. - Pedro Gouvêa. - A. Abrantes. - Alipio Gama. - Hastimphilo de Moura. - P. Cuyabá. - Henrique Silva. - Paulo de Mello."
Caixa esta que, infelizmente, não existe mais. Se existe, está guardada em algum lugar inacessível ao público por um cidadão avarento.
A demarcação do Quadrilátero Cruls
Ao retornar para Pirenópolis, no dia 9 de agosto, a comissão se prepara para partir em busca do almejado quadrilátero de 14.400 km2. Luis Cruls determina a formação de 2 turmas: uma, chefiada pelo próprio Cruls, que seguirá à cidade de Formosa via Serra do Urbano (Urbano do Couto Menezes) ou das Divisões (saída ao norte pelos divisores de águas); e outra, chefiada por H. Morize, que rumará à cidade de Formosa via Corumbá, Santa Luzia e Mestre D'armas (saída a leste).
De Formosa, a comissão se divide em 4 turmas, uma para cada vértice do quadrilátero. É notável a intenção de Cruls em formar o quadrilátero inserindo neste a região dos Pireneus. Segundo Cruls, o quadrilátero deveria conter as cabeceiras dos rios que vertem para as bacias do Tocantins, São Francisco e Paraná. Também se destaca no texto do relatório a dificuldade técnica em determinar com precisão as longitudes.
Foram determinadas às turmas que estas retornariam e se encontrariam, com todos os dados do trajeto e as coordenadas dos vértices, em Pirenópolis no mais tardar até o dia 10 de novembro de 1892.
A turma do vétice NW, chega em Pirenópolis no dia 16 de novembro de 1892. A turma do vértice SW, chefiada por Cruls, chegou em Pirenópolis no dia 17 de novembro. A turma do vértice SE chegou em Pirenópolis no dia 5 de dezembro. E a turma do vértice NE, que não fez a demarcação simultaneamente com as outras, voltou a Pirenópolis e somente no dia 18 de dezembro é que esta rumou para o vértice e de lá para Uberaba e Rio de Janeiro.
O quadrilátero de 14.400 km2 era cerca de 3 vezes maior que os atuais limites do distrito federal e, apesar das grandes discussões posteriores a demarcação deste quadrilátero, houve um período de esquecimento, várias tentativas de instalação da capital no Triângulo Mineiro e até na Bahia, o trabalho da Comissão Cruls foi bastante decisivo tal a sua complexidade técnica e seriedade.
De fato, o local escolhido detinha grandes méritos e a cidade de Pirenópolis foi peça chave na decisão. Pois, além de sediar a comissão, foi da vista dos picos a oeste pelo grande planalto, que foi descortinado o local escolhido para a área que iria sediar a futura capital. Local com grande salubridade, abundância de água boa e clima aprazível. Tivesse hoje o Distrito Federal as confrontações deste quadrilátero teríamos os picos dos Pireneus e a cidade de Cocalzinho dentro do Distrito Federal. Sorte ou azar, os Montes Pireneus ainda são Goiás.
Algumas considerações interessantes
Segundo Luis Cruls, pôde-se notar temperaturas muito frias nos meses de julho, chegando a 0º e a -2,5ºC, com vários registros de geada. Calculou-se também a temperatura média anual em torno de 19,5ºC. Coisa que hoje não se registra mais. A temperatura hoje subiu consideravelmente.
Em relação às águas, Cruls cita a superioridade da qualidade das águas da região oeste do quadrilátero, como dos afluentes do Corumbá, sendo superiores às do Leste, como as do São Bartolomeu, e mais ainda àquelas dos rios do norte. A quantidade das águas são ainda comparadas às de outras cidades populosas, como Paris, na ordem de 300 para 1.000 litros por habitante.
Quanto a topografia, Cruls embasa a localização com forte argumentação de que na região demarcada "se encontram planícies, entrecortadas de depressões pouco consideráveis com declividades suaves, se presta admiravelmente para a edificação de uma grande cidade".
Outra coisa interessante notada no relatório foi a desmistificação e ratificação de histórias contadas no sul das características e situações que existiam em Goiás. Era idéia comum que o Planalto Central não serviria para a nova capital por se tratar de uma região quente, insalubre, cheia de doenças e perigos como indígenas antropófagos e animais ferozes. No entanto, todos os relatórios dos técnicos, entre eles médicos, geólogos, sanitaristas, farmacêuticos e botânicos, dedicaram vários parágrafos desfazendo boatos e desmistificando fatos. Impressionaram-se estes com o oposto do que esperavam, encontraram uma terra salubre, sem perigos, com clima agradável e ótima condição de vida. Em suma, corroboraram ótimas condições e seus estudos foram determinantes para a localização do novo Distrito Federal.
Vale ainda ressaltar o valioso estudo que esta comissão fez sobre aspectos da fauna, flora, geologia, hidrologia e características sócio-econômicas da região ao final do século XIX, que resultou num extenso livro de 380 páginas.
Fontes e referências
Relatório da Comissão Exploradora do Planalto Central - Organizado por Luis Cruls - Rio de Janeiro, 1894 - Edição: Senado Federal, Brasília, 2003
A Mudança da Capital - José Adirson de Vasconcelos - 2ª Edição - Gráfica e Editora Independência Ltda - 1978 - Brasília