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A Festa do Divino Espírito Santo, a profecia de Joaquim de Flora e o fim do mundo

O fim do mundo está próximo! Não é de hoje que ouvimos tal aclamação. Exclamam sobre o tal fim dos tempos desde os velhos testamentos. Daqui, de nossa cultura ocidental, e de acolá, por detrás das fronteiras do oriente.

A Festa do Divino Espírito Santo, a profecia de Joaquim de Flora e o fim do mundo
Os círculos trinitários de Joaquim. Fonte [1]

Pois bem, Joaquim de Flora, ou Gioacchino de Fiore, foi um monge italiano que no século XII se debruçou sobre os testamentos católicos, em especial o Apocalipse, e compôs uma teoria com uma visão profética que culminou num movimento doutrinário conhecido como Joaquimismo. Tal doutrina pregava que a humanidade viveria por 3 eras ou tempos, associadas às figuras da Santíssima Trindade: o Pai, o Filho e o Espírito Santo. Segundo José Eduardo Franco, no artigo Joaquim de Flora e sua influência na cultura portuguesa [1]:

"O primeiro é o estado (status) do Pai. Esta idade teve início com Adão, começou a frutificar em Abraão e viu o seu epílogo em Zacarias, que foi o pai de S. João Batista. A tipologia desta idade pauta-se, segundo Joaquim, pela imposição rigorosa de mandamentos exteriores, à qual corresponde uma atitude de temor e de submissão servil por parte dos homens. Inaugura-se a idade do Filho com Osias, rei de Judá (século VII a.C.), começou a prosperar com a Encarnação de Jesus Cristo e deveria ter o seu termo por volta de 1260. Esta idade caracteriza-se pela humildade e obediência do Verbo Encarnado, na qual se observa, da parte dos homens, a obediência confiante às leis ainda não completamente interiorizadas. Por fim, o estado do Espírito Santo teria principiado com S. Bento, deveria frutificar no crepúsculo da idade do Filho e o seu término aconteceria com a consumação da história, isto é, com a parusia última. Este tempo é caracterizado como sendo do amor e da liberdade espiritual, onde as normas divinas não são dadas de forma impositiva, mas livremente aceitas, amadas e praticadas."

Já o próprio Joaquim de Flora a descreveu, em seu livro intitulado Concórdia do Novo e do Velho Testamento, fazendo analogias:

"O primeiro estado foi o da ciência; o segundo, o da sabedoria; o terceiro será o da plenitude da inteligência. O primeiro, o da servidão dos escravos; o segundo, o da dependência filial; o terceiro será o da liberdade. O primeiro desenrolou-se sob o chicote; o segundo, sob o signo da ação; o terceiro decorrerá sob o signo da contemplação. O temor caracterizou o primeiro; a fé, o segundo; a caridade marcará o terceiro. O primeiro era o tempo dos escravos; o segundo é o tempo dos homens livres; o terceiro será o tempo dos amigos. O primeiro era o tempo dos velhos; o segundo é o dos jovens; o terceiro será o das crianças. O primeiro estava sob a luz estelar; o segundo é o momento da aurora; o terceiro será o pleno dia. O primeiro era o Inverno; o segundo a Primavera; o terceiro será o Verão. O primeiro deu ortigas; o segundo dá rosas; o terceiro dará lírios. O primeiro produziu ervas; o segundo produz espigas; o terceiro fornecerá trigo. O primeiro é comparável à água; o segundo, ao vinho; o terceiro será comparável ao azeite"

Lá no ocaso do século XII, de seu monastério, o Monasterium Florense no alto das montanhas da Calábria, hoje cidade de San Giovanni in Fiore, Joaquim lançou as bases de sua doutrina e uma forte devoção ao Espírito Santo que se disseminou entre seus seguidores, os monges florentinos [2]. Estes monges joaquimitas adentraram o século XIII difundindo a fé no Espírito Santo e a profecia das três eras do abade Joaquim de Flora. O pensamento joaquimista influenciou muitos clérigos porém suas obras chegaram a serem censuradas pela Igreja, pois previa o surgimento de uma nova Igreja, o surgimento de um terceiro testamento e um quinto evangelho para a consolidação da derradeira era, a era do Espírito Santo, que estaria por vir. De acordo com seus cálculos, a era do Espírito Santo começar-se-ia em 1260.

O pensamento de Joaquim de Flora, segundo José Eduardo Franco [1], influenciou outros pensadores e alcançou filósofos humanistas e pré-renascentistas, séculos a frente, espalhando-se por toda a Europa, leste europeu e Rússia. Serviu de base para o socialismo utópico, que, por sua vez, deu origem a diversas vertentes do pensamento comunista ao anarquismo utópico. No entendimento do joaquimismo, o tempo do Espirito Santo será regado pelas bênçãos diretas do Espírito Santo e seria de tamanha perfeição que não precisaríamos nem de governos e nem de igrejas.

Segundo Jaime Castelão, famoso historiador português, em sua obra intitulada História dos Descobrimentos Portugueses, o joaquimismo chegou em Portugal trazido por monges mendicantes e franciscanos. E tal pensamento foi absorvido pela corte da Rainha Dona Isabel de Aragão, que reinou de 1282 a 1325. Posteriormente, Isabel virou Santa Isabel de Portugal, padroeira de Coimbra, devido ao seu histórico de caridade e devoção aos pobres [3]. É desta rainha e santa o crédito da instituição das festividades do Divino Espírito Santo em Portugal, em 1320, e consequentemente sua difusão às outras cidades e às colônias portuguesas, como Pirenópolis, em Goiás.

Segundo Olinda Schauffert [4], cabe aos joaquimitas a difusão da devoção ao Espírito Santo na Europa e, especialmente, em Portugal. E tal devoção foi impulsionada pelo trabalho dos franciscanos, discípulos de São Francisco de Assis, que, apesar de contemporâneos, era 46 anos mais novo que Joaquim de Flora.

Outros autores, como João Leal em Nação e império: Agostinho da Silva e as Festas do Espírito Santo [5], também atribuem as origens da Festa do Espírito Santo aos franciscanos sob forte influência do joaquimismo. Este vai mais além creditando aos franciscanos a criação dos festejos ao Espírito Santo e sobrando a rainha Isabel a sua institucionalização e difusão.

Apesar de ter sido considerado herege e ter sua obra sido censurada pela Igreja, Joaquim de Flora construiu uma história da humanidade e deu embasamento para o desenvolvimento de várias utopias ideológicas. O tempo do Espírito Santo idealizado por Joaquim de Flora deveria ser um tempo de paz e abundância, um tempo de amor profundo e de elevada consciência espiritual. Um tempo em que todos os humanos estariam embebidos dos dons do Espírito Santo e portanto não haveria fome e pobreza. Dito assim, associado às velhas profecias e anseios humanos, é fácil de percebermos proximidades da doutrina joaquimista, como fonte inspiradora, às ideologias político-sociais, que foram surgindo com o passar dos séculos, como humanismo, socialismo, anarquismo, temas do iluminismo, o Quinto Império, celebrado por Antônio Vieira no século XVII, e sua influência em diversas obras literárias e filosóficas.

Em suma, a Festa do Divino Espírito Santo tem esta invocação: que o Espírito Santo Divino desça sobre nós e traga, com seus dons, bem aventurança a toda terra. Celebramos nesta festa um estado que está por vir: o Império do Divino. Fazemos neste período uma simulação deste estado. Neste período, abrimos nossas casas, nivelamos as classes sociais, sorrimos para o próximo, distribuímos doces, comidas e bebidas. A fartura, a gratuidade, o livre acesso, a inclusão, a liberdade são as virtudes reproduzidas por todos dentro deste período.

Apoteoticamente, a era do Espírito Santo profetiza o fim dos tempos. A humanidade nesta terra de provação cumpre sua missão ao retornar aos ditames do Pai. Tal obediência o levaria de volta ao paraíso, uma terra sem males. Quanto a isso, aqui em Pirenópolis, torcemos e nos contorcemos. Tanto que mal passado o tempo do Divino Espírito Santo, culminado na missa de Domingo de Pentecostes, já se dá inicio as Cavalhadas, cuja estrutura folclórica difere quase diametralmente do rogativo feito ao Divino Espírito Santo. Mas isso vou deixar para outro artigo.

Referências

#1 José Eduardo Franco, Joaquim de Flora e sua influência na cultura portuguesa. Artigo.

#2 Camminare nella storia. San Giovanni in Fiore e l'abate Gioacchino. Artigo em site sem autoria.

#3 Wikipedia. Isabel de Aragão, Rainha de Portugal. Artigo.

#4 Olinda Schauffert, A festa do Divino Espírito Santo em Penha - SC. Dissertação de mestrado.

#5 João Leal. Nação e império: Agostinho da Silva e as Festas do Espírito Santo. Artigo.

#6 Wikipedia. Joaquim de Fiore. Artigo.

#7 Antônio Manuel Ribeiro Rebelo. As celebrações do Espírito Santo nas dinâmicas histórico-culturais. Artigo.

#8 – Luís Carlos Rodrigues dos Santos. Agostinho da Silva: Filosofia e espiritualidade, educação e pedagogia. Tese de Doutorado.

Por Mauro Cruz, editor deste site, publicitário, programador, técnico em artes gráficas e guia de turismo de Pirenópolis.

Matéria publicada em 16/04/2020 às 16:12:17.

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