03 de julho de 2010
Descascando o Patrimônio
Patrimônio é uma coisa que a gente daqui de Pirenópolis vive falando. Pudera! Vivemos dentro de um. Mas afinal? Que raios é isso? Dando uma rápida olhadela pelos dicionários descobrimos que, literalmente, patrimônio nada mais é que "herança paterna", são bens herdados, são propriedades e posses. Não estou aqui para discorrer sobre a retórica patrimonial, afinal não sou um técnico no assunto, e nem pretendo, tenho mais o que fazer, sou apenas um simples leigo, como são quase todos (se não todos) os proprietários desta herança.
Estes sim são os atores principais e eu vivo me indagando: De quem, afinal, é o Patrimônio Histórico e Artístico de Pirenópolis? de 3 ou 4 técnicos do IPHAN ou de toda uma população? Digo isso porque nunca vi o IPHAN, com toda a sua sabedoria, consultar a população, numa espécie de pesquisa ou plebiscito, para saber o que realmente a população acha de suas intervenções.
É inegável a contribuição que este órgão getulino vem fazendo por Pirenópolis. Ainda nas pessoas queridas que são os técnicos e arquitetos da instituição pública. Com certeza são pessoas que tem adoração pela cidade. Mas também havemos de considerar os rumores e descontentamentos da população. Afinal...(mais uma vez para que não esqueçamos)... De quem é esse tal de Patrimônio?
Uma cultura só pode ser conservada e nutrida por quem a detém. Receberam, os pirenopolinos, de seus antepassados uma sociedade religiosa, tradicional, conservadora e festeira, que vive numa cidadezinha que preservou várias construções antigas. Seja por falta de recursos ou por amor a arte e a história, restauraram como puderam, com ou sem interesse, com ou sem técnica, suas casas e prédios públicos e religiosos. No entanto, essa cultura, essa história está sendo apagada. O projeto IPHAN para Pirenópolis tem trazido muita coisa boa, mas tem apagado muitas outras histórias: A começar pela iluminação pública. Foi bonito substituir os postes com fiação aérea por postinhos "a la Rio de Janeiro", mesmo que tal não conte nada de nossa história. Mas poderiam, pelo menos, terem deixado um beco com aqueles velhos poste de aroeira, tortos, carcomidos e infestados de líquens. Recriando a primeira iluminação pública com luz elétrica e aquele velho pratão de metal.
A Igreja Matriz, por exemplo, belíssimo foi o trabalho de restauração de 1999. Pena que pegou fogo. Mas vamos reconstruindo ela de novo, afinal de contas é a Igreja Matriz onde todo mundo faz suas preces e é o centro da cidade, nosso símbolo maior. Mas cadê os altares? Será que vão manter aqueles buracos nas paredes? Se isso é preservação de patrimônio, sinceramente, eu não estou conseguindo entender. Será que alguém aí pode me explicar? Não foi a igreja concebida originalmente para comportar altares em seu interior? Não tinha ela espaço de 5 altares? Por que então, em nome da conservação do patrimônio, não permitem que a população católica, frequentadora, fiel e devotada façam o uso cultural e religioso daquele espaço à maneira original como ele foi concebido? Não seria isso preservar e proteger o Patrimônio? Permitir com que os próprios detentores da cultura possam construir altares e rezar ao seus pés, e assim o façam, como faziam seus antepassados? Réplicas, nem pensar. É o que dizem. Mentira por mentira, a cidade de Pirenópolis é cheia delas. Réplicas são construídas a torto e a direito até mesmo em locais onde estas não caberiam, como no antigo local dos pretos, onde deveriam ser erigidas somente construções pequenas com pé direito reduzido, são replicadas casas de coronéis, grandes e suntuosas, cheias de detalhes artísticos importados de outras plagas. Deixando as pequenas, originais e antigas casas se arruinarem por interesses pessoais.
Do mesmo modo ficaram os altares da Igreja do Carmo. Outra coisa difícil de entender é porque retiraram toda a pintura deixando a madeira à mostra. Aqueles altares azuis e branco eram belíssimos. Enchiam o ambiente de luz e elevavam nosso espírito com cores e alegria. Diferente do que se encontra lá agora: um altar sombrio, pesado, denso... Não me parece nada celestial aquela coisa velha e morta, toda descascada. Não teria o artista e seu construtor, originalmente, concebido aqueles altares para serem coloridos? Voltar a concepção original não seria, tecnicamente, um procedimento mais correto de restauração?
Espero, por fim, que tais linhas não sirvam do ofensa ao inegável trabalho dos técnicos do IPHAN, mas sim de uma crítica construtiva que ajude a descarcar esse abacaxi. De fato, tudo me parece até de certo modo coerente: Assim como o Patrimônio Histórico e Cultural de Pirenópolis deve ser dos filhos desta terra, o patrimônio do IPHAN é ainda, de certo modo, getulino e ditatorial, infelizmente. Façam pois, doravante, uma consulta pública com os verdadeiros donos do osso para saber ao certo como as intervenções ao patrimônio devem se proceder e como os donos desta herança, por direito, querem que sua cultura desenvolva e para que não percamos, mesmo que seja diferente dos conceitos atuais, um período histórico de manutenção e restauração do patrimônio feito pelos próprios detentores desta herança, os pirenopolinos de antanho.
Matéria publicada em 03/07/2010 às 11:57:35.