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Centro Histórico está sendo desfigurado por elementos estranhos

Para quem não conhece ou é desatento, passa-se despercebido a introdução de elementos estranhos ao conjunto urbanístico da cidade, principalmente no que concerne à preservação do acervo histórico. O que deve ser levado em extrema consideração, uma vez que o tombamento de Pirenópolis está inscrito no Livro Histórico, que trata das coisas de interesse histórico, e teve a delimitação de seu perímetro definida pelo núcleo urbano que existia nos primórdios da construção da cidade, no século XVIII. Núcleo este preservado por séculos de alterações profundas.

Pois bem, era de ser esperar que elementos estranhos àqueles utilizados em Pirenópolis, ou mesmo em Goiás, não seriam aqui permitidos. Mas não é bem o que está acontecendo. Moradores, recém mudados, que trazem consigo recursos econômicos e valores estéticos de fora, estão erguendo casarões de estilo colonial com detalhes artísticos de origem litorânea, requintadas, é óbvio, podendo ser até mais bonitas, isto é, interferências lindas e maravilhosas, mas, mentirosas e transgressoras de uma realidade pirenopolina e goiana que um dia encheu os olhos dos técnicos do IPHAN, por sua simplicidade e modéstia, que é a mais marcante característica destas seculares construções.

Esta supérflua vaidade de ostentar luminárias, beirais e recortes de janelas em casas novas que imitam as casas coloniais, deixa registrada no acervo histórico urbano uma falsa história, desfigurando-a. Portanto, o que deveria ser preservado, está sendo destruído, perdendo espaço para vaidosos interesses pessoais.

Outra coisa. Para quem não sabe, a cidade histórica teve sua malha urbana moldada pela disposição geográfica do Rio das Almas, de forma funcional ao garimpo de ouro. Próximo ao garimpo ficou o bairro dos negros escravos, onde hoje é a praça do rosário (coreto). Encimada na colina, o bairro dos brancos, na Rua Nova e Direita e lá na entrada da antiga cidade, no bairro da Lapa, o lugar dos mestiços, os homens pardos, local que infelizmente não foi contemplado pelo tombamento. Com certeza, havemos de considerar este importante fato, pois eram três distintas sociedades, cada qual com sua igreja e tipo de arquitetura. Os brancos faziam casas maiores, com pés-direitos mais altos e um típico corredor de entrada. Já os negros tinham as suas casas miúdas sem o tal “corredor” e de baixo pé-direito, assim como os pardos. É fácil identificá-las em volta da praça do coreto. Ali, as casas mais antigas são as menorezinhas, que estão ameaçadas de sumir da paisagem de Pirenópolis, pois já existe construção de casarão por ali até bem maior que as casas da Rua Direita. Afinal, o que faz um casarão de coronel no bairro dos negros? Ta certo que não estamos mais no período colonial e que quem vem de fora e compra uma casinha dessas, quer logo pô-la abaixo, pois casinha de pé-direito baixo é coisa de gente pobre, não é isso? Não, não é não... Graças a Deus. Tem muita gente boa ali morando em casa de pé-direito baixo. Pois bem, não deveria se respeitar o conjunto paisagístico? Se construir dentro do estilo predominante? Mas, pois é. Não é o que está acontecendo.

Bom, para finalizar, posso dizer que com a introdução de elementos artísticos estranhos estamos perdendo a originalidade da arquitetura pirenopolina e goiana. Estamos perdendo também o registro físico da distribuição espacial urbana do século XVIII, a partir do ponto que se permite construir casarões avantajados em locais que deveriam ser preservado um aspecto mais humilde. E por fim, estamos perdendo também a distinção entre o velho e o novo, o que é realmente histórico e o que não passa de uma bela réplica, com um novo estilo sendo consolidando, a casa "colonial" com sobrado recuado. Portanto, se o IPHAN, como órgão regulador, não ceder a pressão da estética e do poder econômico individual, abrindo precedentes, podemos ainda manter em Pirenópolis aquele ar de cidadezinha antiga do interior goiano e não fazer daqui uma pretensa Paraty interiorana.

Matéria publicada em 08/05/2006 às 22:32:26.

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