23 de maio de 2011
Juiz decide numerar os mascarados de Pirenópolis. Será possível?
Corre pela população de Pirenópolis uma grande preocupação com a decisão do juiz de numerar os mascarados na cavalhada. Este é um assunto interessante que merece um aprofundamento apropriado.
Os mascarados são figuras folclóricas tradicionais das Cavalhadas, festa popular que acontece em diversas partes do Brasil [veja mais]. Não há consenso em relação a sua origem, mas sua função dentro das Cavalhadas de Pirenópolis é bem clara: Enquanto temos de um lado, ao centro, doze cavaleiros vestidos garbosamente de soldados cristãos e doze cavaleiros mouros, pelejando num campo uma batalha acontecida a cerca de 1.200 anos, repetindo ano após ano a mesma história que reforça uma estrutura social de dominação e poder, temos por outro lado, acontecendo por fora do campo, uma quantidade sem definição de pessoas que vestem fantasias e fazem algazarras com uma única regra comum: estar mascarado.
Dentro da concepção popular e folclorista os mascarados representam a anarquia, a liberdade e rebeldia. São aqueles que querem participar da festa, mas fora do restrito espaço do círculo da corte dos cavaleiros, da pompa, da hierarquia e da divisão. A máscara os protegem de represália e perseguições, que pode acontecer por sua constante intervenção desautorizada. É também uma denúncia da estrutura social restrita e elitizada dos dominadores. É comum vê-los, portando faixas e placas, atacando políticos e autoridades. A figura do mascarado vai mais além (ou seria mais aquém?). Representa também o constante conflito entre a ordem e a desordem, o ego e o alter ego, o senso e o não-senso. É a parte humana e social daquele, ou daquilo, que se mantém oculto, obscuro, não identificável, livre, sem o selo da sociedade. E agora, durante a festa, ele se manifesta. Desafiando a ordem e pondo a mostra desejos e vontades até então guardadas.
A sociedade como um todo, manifestada pela platéia que os assiste, os aprova, pois além de refletirem os desejos ocultos e individuais de liberdade, levantam a bandeira da justiça social, como um herói, anti-herói, um super-herói, e divertem. Qualquer ato violento ou criminoso é rechaçado pelo povo e pelos próprios mascarados, que buscam sempre a ordem para que haja aceitação popular em vista de manter ilesa a imagem do mascarado e a sua identificação direta com o grosso da população, que nessa estrutura folclórica, se opõe aos camarotes das famílias e aos cavaleiros. Cabendo apenas aos Mascarados atos de rebeldia contra as autoridades, na forma de protestos políticos e desordem pacífica.
De outra forma, temos também neste drama representado as relações institucionais entre sociedade, autoridades e constituição brasileira. O mascarado dentro do contexto da festa tem como direito intrínseco fazer bagunça e algazarra e não ser identificado. Excluindo ações que possam transgredir direitos de liberdade, propriedade e integridade física pessoais, ao Mascarado tudo pode, menos tirar a máscara. A Constituição Brasileira constitui o Brasil como um Estado Democrático de Direito onde todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos da Constituição. O Mascarado por sua vez, na concepção folclórica, representa o povo e o juiz representa o Estado. Sendo o Juiz um representante do Estado, independente de ter sido ou não eleito pelo povo, deve se ater a tomar decisões que contemple a lei e esta por si deve representar a vontade, necessidade e anseios da população. Ao tomar esta decisão, o juiz, embasado no poder que o Estado lhe dá, pensou em satisfazer os anseios da sociedade como um todo? Ou atendeu apenas as necessidades de um grupo? Estava, Vossa Excelência, ao lado do senso ou do não-senso, do ego ou do alter ego, do povo ou da corte dos cavaleiros?
Esta tentativa de policiamento e controle, digo tentativa por que até o presente momento não se sabe se esta decisão será atendida, também faz parte da festa e do contexto folclórico. São as autoridades tentando desmascarar os mascarados. O senso tentando possuir o não senso, o ego controlar seu alter ego, o centro desfazer suas margens. Mas afinal, não é exatamente isso que os mascarados devem provocar? Não fazem eles com esta decisão o seu papel? E Vossa Excelência não está tomando para si o folclórico papel de censor dos Mascarados.
Por fim, bastar saber, e ver, a quem os Mascarados vão atender: Ao ego ou ao alter ego? Ao centro ou a marginália? Ao censor ou ao folclore? Desobedecendo esta decisão não estão eles, os mascarados, exercendo seu direito consuetudinário? E como cidadões, somos obrigados a respeitar decisões que retiram nossos direitos a liberdade política e cultural e que nos faz retroceder a um período imperial ou ditatorial?
Matéria publicada em 23/05/2011 às 17:42:11.