Menu
Menu
Lupa

A Encenação das Cavalhadas

A encenação das Cavalhadas em Pirenópolis se dá em 3 dias, um domingo, uma segunda e uma terça. É uma representação dramática, um teatro ao ar livre que encena uma batalha medieval. As Cavalhadas sempre foram corridas ao som ao vivo de uma banda de música.

Prefácio

O Castelo Cristão
O Castelo Cristão

A encenação das Cavalhadas se dá em 3 dias, um domingo, uma segunda e uma terça. É uma representação dramática, um teatro ao ar livre que encena uma batalha medieval. As Cavalhadas sempre foram corridas ao som ao vivo de uma banda de música. As peças musicais apresentadas foram compostas especialmente para a ocasião e são:

Galope: Dos Mouros e dos Cristãos;
Quadrilhas
: Violeta, Flor da Noite, Três Sossegados, Noiva Encantada;
Valsa
: Do Batismo;
Galope Final
: A Cavalhada acabou.

O que expomos abaixo não é apenas uma descrição básica dos movimentos e ações, mas os diálogos completos dos atores desta peça, os reis e embaixadores. Espero que gostem. Interessante se analisarmos este diálogo pelo prisma tempo e espaço geo-históricos, é bastante contraditório, mas é folclórico

1º dia – A Batalha

No ardor da batalha
No ardor da batalha

Os Mouros têm acesso ao Campo das Cavalhadas, com trajes vermelhos, pelo lado do nascente; Os Cristãos, com as cores azul e branco, se apresentam pelo lado do poente. Após o encastelamento (primeira parada), o rei Cristão tem sua atenção despertada pela agitação do espião Mouro em suas terras. Chama um de seus soldados e lhe diz o seguinte:

– Meu fiel Sargento Cerra-Fila, à minha presença!

O soldado sai por trás do Castelo e, parando diante do seu Rei, diz o seguinte:

- Monarca, Rei e Senhor.

Ordena-lhe o Rei:

– Vá às margens de nossa baliza em reconhecimento!

– Parto imediatamente a fim de cumprir vossa régia ordem.

O Sargento Cerra-Fila Cristão faz uma evolução em seu próprio campo e desmonta do lado contrário àquele onde se encontra o espião. Examina a direção do vento, atirando um pouco de terra seca para o ar, e em seguida parte rumo ao arbusto, sacando da arma e baleando o espião mouro, que deixa cair a máscara e sai rolando para fora do Campo das Cavalhadas. O disparo agita os dois grupos que, após a chegada do Sargento Cerra-Fila ao seu castelo, saem para a carreira de Reconhecimento de Praça, percorrendo apenas meio campo. No final dessa carreira, os mouros encontram o seu castelo desguarnecido das árvores que tiravam a visão dos Cristãos. É feita nova carreira, denominada Defesa de Praça, antes das primeiras embaixadas.

As embaixadas

A primeira embaixada parte do Rei Mouro, que chama seu representante oficial e diz:

– Meu fiel embaixador, à minha presença!

– Monarca, Rei e Senhor ! (diz apresentando-se o Embaixador).

– Vá às partes do poente, onde se encontra acampado o exército Cristão, e diz ao Rei que deixe a lei de Cristo e abrace a de Mafoma; que se isso fizer terá paz, honras e, sobretudo, a minha amizade. Mas, se esse partido não quiser abraçar, verá a terra tremer, os clarins romperem os ares, o bronze gemer, o sangue correr aos mares e o meu Mafoma vencer!

– Senhor, enquanto em meu peito conservar alento, hei de fiel cumprir vosso régio intento!

Acompanhado por dois soldados, o Embaixador Mouro sai rumo às terras dos Cristãos, sendo recebido na fronteira por dois soldados contrários. Diz-lhes o Embaixador:

– Sou o Embaixador dos Mouros e levo mensagem ao Rei Cristão!

Um soldado fica vigiando o emissário Mouro, enquanto outro volta ao seu castelo e se apresentando diante do Rei Cristão e diz:

– Monarca, Rei e Senhor! Nas nossas balizas tem um cavaleiro que se diz Embaixador!

– Como Embaixador, pode entrar! – responde o Rei.

Apresentando-se diante do Rei Cristão, o representante oficial dos Mouros diz o seguinte:

– Oh! Monarca esclarecido, o poderoso Sultão, que tal raio, qual trovão, neste mundo é tão temido, te comete por partido, que deixeis a lei de Cristo e abraces a de Mafoma; que se fizeres isto terás paz, honra e, sobretudo, a sua amizade em quanto é visto, mas, se este partido não quiseres abraçar, verás, oh Rei atrevido, a terra tremer, os clarins romperem os ares, o bronze gemer, o sangue correr aos mares e o meu Mafoma vencer.

Responde-lhe o Rei Cristão:

– Atrevidas e arrogantes foram as palavras que acabaste de pronunciar perante minha alta soberania e fidedignos vassalos de minha corte. Não fossem as leis do meu império, consagradas às três pessoas da Santíssima Trindade, aplicar-vos-ia o merecido castigo. Entretanto, voltai e dizei ao vosso Rei que não me assustam inimigas tropas, nem as terríveis ameaças com que pretende intimidar os fiéis e destemidos soldados do meu esquadrão e que em campo estou e em campo espero.

Retruca o Embaixador:

– Oh! Rei do juízo vário, outro acordo tomas! Abraça a lei de Mafona e não sejas temerário, pois se fizeres o contrário, já toda a paz se desterra, e eu serei na mesma, qual raio fulminante, que te reduz ao mesmo instante em pó, cinza e mesmo terra!

– Retirai-vos, desumano, antes que de vosso peito fraudulento o coração arranque.

Atrevidamente, o Embaixador encerra o diálogo com as seguintes palavras:

– Retiro-me sim, para não te ver, mas não por te temer!

Retornando ao seu castelo, o Embaixador apresenta-se diante de seu Rei Mouro e conta o resultado de seu contato com os Cristãos:

– Monarca, Rei e Senhor: mandaste-me às partes do poente. E lá, em um cavalo ricamente enfeitado, encontrei o Rei montado. Recebeu-me muito irado e disse todo indignado, que no campo de Marte está e no campo de Marte espera, onde vereis uma fera toda cheia de furor, qual raio abrasado, que vos fará cair por terra.

– Recolhe-te, Embaixador amado, que em breve serás vingado! – diz o Rei Mouro.

Concluída essa parte, o Rei Cristão toma as mesmas iniciativas do Rei Mouro, enviando-lhe um Embaixador, com as seguintes propostas:

– Vá àquele exército de Mouros e diga ao Rei que, por ti, saudá-lo mando e a dizer-lhe envio-te, para que deixe de Mafoma, desta vil seita infame e dos diabólicos ídolos, que tão firmemente idolatra; que se isto fizer, mediante as águas do Santo Batismo e pequeno tributo, ser-lhe-ei amigo. Vá e diga!

Apresentando-se diante do Rei Mouro, o Embaixador Cristão começa a transmitir a mensagem enviada por seu Rei:

– O glorioso Monarca Carlos Magno, Senhor de todo o Ocidente, protetor do Mar Sírio, do Magno Alexandre, do invencível Vaticano, a quem o vasto Império da Mauritânia deverá consagrar, oferecer e render culto, é o Rei Cristão, que por mim saudar-te manda e dizer-te envia-me para que deixes Mafona, essa vil seita infame e dos diabólicos ídolos, que tão firmemente idolatras; que se isso fizeres, mediante as águas do Santo Batismo, um pequeno tributo, será teu amigo e te concederá grandes honras. Mas se este partido tu não quiseres abraçar, verás, hoje mesmo, bárbaro, a tua soberba humilhada e abatida.

Com violência repele a proposta o Rei Mouro:

– Injuriosas foram as palavras com que te referiste ao Grande Profeta. Vale-te, entretanto, o indulto de Embaixador. Não fora isso, mandar-te-ia cortar a cabeça e colocá-la na mais alta torre de meu castelo, para servir de exemplo aos teus. Voltai e dizei ao teu Rei que rejeito as suas vis propostas e que desejo ter a sós, com ele, uma conferência, nas linhas de nossos domínios.

A resposta do Embaixador Cristão é a seguinte:

– Bárbaro! Enquanto a minha mão apertar a espada e o sangue nestas veias circular, nem tu, nem os teus me prenderão.

–Retira-te de minha presença, desumano, não queiras em mim causar o teu dano!

Na saída o representante Cristão repete as mesmas palavras do Embaixador Mouro:

– Retiro-me sim, para não te ver, mas não por te temer!

Voltando à presença de seu Rei, o Embaixador Cristão diz:

– Monarca, Rei e senhor, fui às partes do nascente, onde me mandaste, e lá encontrei o Rei mouro que, rejeitando vossas propostas, convida-vos a terdes à sós com ele uma conferência nas linhas de suas divisas.

– Recolhe-te, meu fiel Embaixador! A tua vingança a mim compete.

O encontro dos reis

Aproximando-se em sentido contrário, os dois reis se encontram no meio do Campo das Cavalhadas, cada um em terra do outro, quando se dá o seguinte diálogo, iniciado pelo Rei Mouro:

– De muito distantes terras me conduz, pelo meu Império e valor, para dizer-te um só passo não dês à frente, sem que primeiro me digas quem és, que lei professas e o que buscas pelas terras da Turquia.

– A figura que se me apresenta é, sem dúvida, a de um grande monarca. Mas as tuas perguntas te desmentem, pois não me mandaste dizer há pouco que desejavas ter uma conferência a sós comigo, nas margens dessas balizas? Como perguntas agora quem sou, que lei professo e o que busco pelas terras da Turquia? Não te satisfarei as exigências sem que primeiro me digas quem és, que Lei professas e o que buscas pelas terras do meu domínio.

– Eu sou o Grande Sultão, Senhor da Mauritânia, Senhor de meio Sol, meia luz e de todo o Mar Vermelho. Já disse quem sou, digas quem és!

– Eu sou Alexandre, dos heróicos príncipes da Europa o mais poderoso. Professo a Santa Doutrina de Cristo e adoro as Três Pessoas da Santíssima Trindade. És tu mesmo, Bárbaro, a quem eu busco. Vem comigo. Recebe as águas do Santo Batismo e, mediante um pequeno tributo, serei teu amigo e conceder-te-ei grandes honras.

Encolerizado com a proposta, retruca o Rei Mouro:

– Eu não quero tuas honras e nem troco as minhas pelas tuas. Só tenho a dizer-te que vieste neste campo para morrer e acabar a vida!

Jogando o animal contra o Rei Mouro, o Rei Cristão começa a desembainhar a espada e diz:

– Essa tua arrogância, soberba e fantasia, não se acaba com palavras, mas com o duro fio de minha espada!

Mostrando-se temeroso quanto ao ataque do Rei Cristão, o Rei Mouro encontra uma saída:

– Detém-te, oh Rei Cristão. Vou te cometer um partido!

– Diga qual é?

– Vamos ao campo de batalha pelejar. A lei do vencedor será firme e valiosa. A do vencido, falsa, infame e mentirosa.

– Muito me custa esclarecer-te uma verdade que tenho por certa, pela fé do Deus que adoro. Mas, como conto com a vitória, Bárbaro, toma campo, aperta a lança e faça por sem bom cavaleiro, que em breve te arrependerás.

– E tu morrerás! – concluiu o Rei Mouro, acabando com a conferência.

De volta aos seus respectivos castelos, os reis fazem preleção aos seus soldados, começando pelo Cristão:

– Amigos e fiéis companheiros, estamos empenhados no campo da batalha. A fé do vencedor será firme e valiosa. A do vencido, falsa, infame e mentirosa. Não temais que a vitória será nossa!

O Rei Mouro diz o seguinte ao seu exército:

– Fiéis e valentes companheiros: vamos ao campo da batalha pelejar. Chegou a hora de mostrarmos o nosso valor. Mauritanos, sigam-me que a vitória será nossa!

As carreiras do 1º dia

Terminando as embaixadas, iniciam-se as carreiras do primeiro dia:

1ª - Defesa de Praça: Uma fila de cada lado;

2ª - Escaramuça Grande: Uma fila de cada lado;

3ª - Batalhinha: Dois cavaleiros de cada lado;

4ª - União: Duas filas de cada lado;

5ª - Torno de Parelha: Dois cavaleiros de cada lado;

6ª - Torno de Quatro: Dois cavaleiros de cada lado;

7ª - Torno de Quatro Fios Fechados: Duas filas de cada lado;

8ª - 10 de Maio: Duas filas de cada lado.

Embaixadas de Trégua

Após a carreira denominada “10 de Maio”, o Rei Mouro manda pedir tréguas ao castelo Cristão por 24 horas, com a finalidade de recompor suas tropas e ao mesmo tempo estudar as propostas das primeiras embaixadas. Chamando o seu embaixador, diz o seguinte:

– Vai ao acampamento Cristão, e diz ao Rei, que por minha alta clemência, mando propor-lhe tréguas por 24 horas.

Diante do Rei Cristão, o Embaixador Mouro começa a transmitir a mensagem de seu Rei:

– O meu Soberano, por sua alta clemência, manda propor-te tréguas pelo espaço de 24 horas, para ver se nesse lapso de tempo reconcilie melhor, sujeitando-se assim, às condições de [ ... ].

– Basta! – interrompe o Rei Cristão – já te entendo. Volte e diz ao teu Monarca que lhe concedo a trégua que me propõe e que, amanhã, por estas horas, ele, tu e os teus, debaixo de minhas armas, estarão mortos ou prisioneiros.

Após este diálogo, saem do Campo das Cavalhadas os Mouros, que antes fazem uma pequena evolução em seu campo, e em seguida os Cristãos, com idêntica apresentação, terminando o primeiro dia de lutas.

2º dia - A Rendição

Momento do Batismo
Momento do Batismo

No segundo dia, entram os Cristãos em primeiro lugar e depois os Mouros. Os primeiros têm acesso ao Campo das Cavalhadas pelo lado esquerdo, alinhando em seus castelos. Após uma pequena pausa tem início a justa, com as seguintes carreiras:

As carreiras do 2º dia

1ª - Guerrilha:Duas filas de cada lado;

2ª - Castelinho:Dois cavaleiros de cada lado;

3ª - Napoleão:Duas filas de cada lado;

4ª - Fogo Negado:Duas filas de cada lado;

5ª - Batalhão:Uma fila de cada lado;

6ª - Castelinho de Quatro Fios:Duas filas de cada lado;

7ª - Novata:Duas filas de cada lado;

8ª - Arcancílha de Fogo:Um cavaleiro de cada lado;

9ª - Arcancílha de Lança:Um cavaleiro de cada lado;

10ª - Prisão:Uma fila de cada lado.

Batismo dos Mouros

Após a carreira que simboliza a prisão dos Mouros pelos Cristãos, começa o diálogo entre os dois reis.

Diz o Rei Cristão:

– Bárbaro, não lhe mandei avisar que hoje, sob as minhas ordens, e a esta mesma hora, tu e os teus estariam presos ou mortos. Pela fé que professo a Santa Doutrina de Cristo e às Três Pessoas da Santíssima Trindade, diz se aceita ou não as águas do Santo Batismo.

– Sim! Aceito as águas do Santo Batismo e reconheço o seu Deus como o único e verdadeiro! – responde o Rei Mouro.

Após este diálogo, os Mouros desmontam, já com os Cristãos empunhando as espadas que tiraram dos vencidos. Os Mouros se ajoelham enfileirados, sem capacetes, e recebem as águas do Batismo, abençoadas por suas próprias espadas que os Cristãos colocam sob os ombros de cada um. O Padre local toma parte dessa solenidade, dirigindo o ofício religioso.

Após o batismo, os Mouros recebem suas espadas e, novamente a cavalo, fazem o engrazamento (um Cristão e um Mouro em fila indiana) para a carreira do Ouvidor, que se encerra com a saída de todos, na mesma posição, pelo lado do castelo Cristão, terminando o segundo dia.

3º dia - O Torneio

Tirando a argolinha
Tirando a argolinha

Como houve a rendição e o batismo dos mouros, os cavaleiros entram em campo engrazados, isto é, juntos, em fila indiana, um cristão e um mouro, sendo precedidos pelo Rei Cristão. Entram no Campo das Cavalhadas pelo lado do poente (por trás do Castelo Cristão). Depois de uma volta completa no campo, os grupos se dividem e vão para seus castelos. Após uma pausa, é dado o sinal para a primeira carreira.

As carreiras do 3º dia

1ª - Florão: Uma fila para engrazar;

2ª - Quatro Fios de Lança:Duas filas de cada lado;

3ª - Tira Cabeças:Um cavaleiro de cada lado;

4ª - Argolinhas:Uma fila para engrazar;

5ª - Quatro Fios de Lenço:Duas filas de cada lado;

6ª - Despedida:Uma fila para engrazar.

Antes das competições, os lutadores fazem mais uma demonstração de arrojo, por meio da carreira denominada Quatro Fios de Lança, para em seguida dar início aos jogos.

Tira-cabeças

Após a 3ª carreira inicia-se um exercício de confraternização não competitivo em que é colocada uma cabeça humana de papel espetada em troncos de bananeiras que devem se retiradas, à galope, pelos cavaleiros com o uso da pistola, espada e lança.

Argolinhas

Após a 4ª carreira inicia-se um jogo competitivo em que é colocado uma trave com um argola de metal pendurada no travessão para que seja retirada à galope pelos cavaleiros. Aquele que consegue tal proeza, oferece a argola a uma pessoa da platéia e recebe uma prenda como prêmio, que pode ser um presente ou, como é de costume, uma fita com várias notas de dinheiro amarradas.

Após a apresentação do jogo das Argolinhas, Mouros e Cristãos perfilam-se em seus castelos. É feita a 5ª Carreira “Quatro Fios de Lenço” e em seguida fazem a despedida, com voltas no Campo das Cavalhadas em sistema de engrazamento abanando um lenço.

Os cavaleiros, após a última carreira, desfilam pelas ruas da cidade rumo à Igreja Nosso Senhor do Bonfim, onde fazem uma salva de tiros e orações de agradecimento pelo bom êxito da Cavalhada.

Fonte

  • Carvalho, Adelmo de
    Pirenópolis Coletânea: 1727 - 2000
    1ª edição, Goiânia, Ed Kelps, 2001.
    213 p ilustr
    História, Pirenópolis, Turismo, Curiosidades
elemento decorativo